Uma velha terrina em faiança esmaltada,
com fundo branco e decoração monocromia azul, sopeira (por ser circular), sem
tampa, com várias esbeiçadelas na bordadura, com a porosidade do vidrado e
mesmo com falhas deste, no seu interior, não nos deixou de encantar.
Não sabemos concretamente o seu
fabrico, mas do Norte será, provavelmente do Porto ou de Gaia, não sabemos;
sendo do tipo de faianças conhecidas como de “Miragaia”, mas que nada tem a ver
com o fabrico da Fábrica de Miragaia.
Trata-se de um terrina não muito
grande, circular, e por isso, dita sopeira, com decoração vegetalista envolta
em vastos esponjados, de tonalidade mais clara, continuando a cor azul como
predominante. Na zona das asas o esponjado foi interrompido.
Possui em largo filete na sua
bordadura, bem como dois largos na zona inferior ao bojo, estrangulada e
alongada, cada um destes protegido, de cada um dos lados, por um filete fino,
igualmente na cor azul, mas forte.
O vidrado é esbranquiçado, leitoso,
com um acabamento exterior uniforme, mas interiormente bastante poroso e com
falhas.
No tardoz do fundo, na coroa circular
não vidrada, pode-se apreciar o tipo de argila utilizada: avermelhada e com
textura fina, não arenosa, uniforme.
Trata-se de uma peça rodada, com duas
asas moldadas e coladas, em que as mesmas evidenciam um entrançado, tipo corda,
na qual, em parte, o vidrado já desapareceu.
Comparando com outras peças ditas de “Miragaia”, esta não possui decoração “País” de Miragaia, nem o dito “Cantão Popular”, fazendo parte de uma
outra “variante”.
A decoração vegetalista aplicada, como
que constituindo reservas e o envolvimento destas com esponjados, constituem um
tipo de decoração não muito vulgar e consequentemente mais um enigma da
produção de faiança nacional antiga, azul e branca.
Parece-nos que se trata de uma pintura efectuada com um traço manual livre, ao gosto do artista, mas com o recurso a
outras duas técnicas, estampilha - o stencil
(chapa recortada), para realizar as folhas, depois retocadas e o esponjado,
para o envolvimento da restante parte da peça,
Cremos tratar-se de uma peça fabricada
na segunda metade do século XIX, ou eventualmente no início do século XX, cuja
origem de fabrico não conseguimos garantir, por não se encontrar marcada, mas
que se trata de uma curiosa peça, não há dúvida.
De referir que o formato da base da
terrina não é o habitual das ditas do tipo “Miragaia”,
mas assemelha-se mais a outros fabricos do Norte, tais como a que foi exibida no
blogue (1), ou uma que se encontra exposta no Museu Nacional de Soares dos Reis
ou a que se encontra no Museu Abade de Baçal (Matriz Net, número de inventário 2632)
– fonte (4).
Também no blogue referente à fonte (3)
foi exibida uma terrina com o formato semelhante à nossa, pese embora com
decoração diferente, com a decoração “Cantão
Popular”,
Uma outra peça, com decoração semelhante,
sem esponjado mas com motivos vegetalistas sobre reticulados está inventariada
na Matriz Net e faz parte do acervo do Museu dos Biscainhos (número de
inventário 995 MB) – fonte (4), possui autoria desconhecida, não sendo pois “Miragaia” !
Epílogo:
Nas feiras de velharias, e não só,
toda a faiança que é azul e branca é “Miragaia”,
seja a decoração do tipo “Cantão Popular”
ou mesmo do dito “País” de “Miragaia”, ou qualquer outra… desde que
seja azul e branca. (E de tanto “martelar”, quase que “vamos na onda”… mas há
que separar o “trigo do joio”).
Este tipo de peças são encaminhadas
para o 2º período de fabrico da Fábrica de Miragaia, fundada em 1775 por João
Rocha, ou seja entre 1822 e 1850.
As peças produzidas neste período, em
faiança com esmalte estanífero, caracterizam-se por uma produção mais
industrial, com recurso à utilização da estampilha na decoração, isto é, a
decoração deixa de ser exclusivamente pintada à mão, pese embora se continue a
usar as cores de alto fogo – essencialmente o azul.
A pasta era bastante clara e as decorações
deste período tinham influência inglesa, com a sua aplicação estampada,
decorada na cor azul, e tendo como modelo as gravuras da época, em moda; tais
como paisagens românticas, com castelos, palácios ou casas apalaçadas.
Igualmente também continuava a haver as decorações orientais, que sempre
estavam em voga.
Enquadradas nestas decorações surge a
decoração “tipo País”, em que a marca
era uma paisagem central, com edifícios, em que um termina em cúpula, tendo na
outra extremidade uma torre, com remate de um crescente (um dos mais velhos
símbolos da Humanidade) e na frente tendo um frontão triangular, sendo todo o conjunto
rodeado por arvoredo.
É de especial importância ter em
atenção que sendo a maioria das peças fabricadas pela Fábrica de Miragaia na
cor azul, que esta cor se tornou sinónimo da produção de Miragaia ou na sua “justificação”.
Deste modo são atribuídas a fabrico de
Miragaia todas as peças com decoração azul, pese embora com outros tipos de
paisagens, estampilhadas, ou até mesmo esponjadas, pese embora nunca tenham
surgido peças com essas decorações e com a marca de Miragaia, usada à época, ou
então terem marca de outras fábricas da mesma época.
Em suma, o tipo de decoração a azul e
branco, não é exclusivo, de Miragaia; logo à época outras fábricas suas contemporâneas
o fizerem, como por exemplo a Fábrica Cavaco e a Fábrica de Santo António do
Vale de Piedade.
Mas mais tarde, vários foram os
fabricos que utilizaram, copiaram ou efectuaram variantes ao modelo de decoração
azul e branco de Miragaia, sendo deveras difícil identifica-los, por não
estarem marcados.
As peças de fabrico de Miragaia do
período em causa encontram-se marcadas com marcas pintadas e estampilhadas que
a seguir exibem (fonte 5), situação que confirma a sua origem, eliminando
quaisquer dúvidas.
Concluindo, tanta indicação incorrecta ou irónica, atribuindo tudo o que é faiança azul e branca, seja que decoração
for a “Miragaia” ou “tipo Miragaia”, quando nada tem a ver
com esse fabrico.
“Miragaia”
sim !, mas com marca que o comprove !
Fontes:
5) – Fábrica de Louça de Miragaia, Museu Nacional
Soares dos Reis, Museu Nacional do Azulejo, coordenação de Margarida Rebelo
Correia, edição IMC, Lisboa, 2008;