domingo, 25 de janeiro de 2015

PRATO EM FAIANÇA, DE COIMBRA, SÉCULO XIX, MOTIVO “CASARIO” DOS BRASILEIROS “TORNA-VIAGEM” (?)

Para começar o novo ano, após um interregno forçado, apresentamos um interessante prato, pequeno, em faiança, que presumimos ser de Coimbra, do século XIX, com a decoração “Casario”.


Prato pequeno, mas deveras interessante; com uma reserva central, monocromática, na cor vinoso (cor de amora).

A decoração é pintada por estampilhagem e esponjado na cor de amora (vinoso), sobre fundo branco, possuindo uma paisagem tipo “Casario”, com um conjunto de três edifícios e árvores e elementos vegetalistas a ladear os mesmos.


Os edifícios, os troncos das árvores e o elemento vegetalista foram aplicados por estampilhagem (chapa recortada) e os ramos das árvores e o solo/paisagem de enquadramento foram aplicadas por esponjado.

O conjunto de edifícios, em número de três, ao gosto da época, com dois e três níveis de fenestração, exibem dois, coberturas piramidais e outro uma cúpula.


Estes edifícios eram característicos à época, meados a final do século XIX, existindo vários em Vilas em torno de Coimbra, bem como em diversas Vilas das Beiras, para além das do Norte e Nordeste do País, os quais eram mandados edificar pelos “Torna-Viagem”…

Isto era, os portugueses que regressavam do Brasil, abastados, com características de homem burguês e moderno e que queriam demonstrar essa situação, entre outras exibições, através das edificações que faziam, geralmente mais altas que as existem, com telhados com coberturas piramidais ou em cúpulas.

A estes “torna-viagem”, também lhe chamavam “Brasileiros”, e a sua influência, a nível do edificado em Portugal, também influenciou a cerâmica, e ficou registado para a posteridade, como é o caso do presente pequeno prato.

A arquitectura das edificações destes Brasileiros “torna-viagem” era elegante, inspirada nas casas coloniais vitorianas, com soluções afrancesadas e com alguma influência italiana.

Tal como caracteriza Miguel Monteiro:

A casa do "Brasileiro" de "Torna - Viagem" constituiu uma das representações mais evidentes desse retorno, quer na estrutura e fachada das edificações, quer nas novas demarcações internas, dividindo espaços e pessoas, evidenciando novas hierarquias e novas fronteiras sociais.

As inovações arquitectónicas e decorativas da casa do Brasileiros representam, na maior parte dos casos, uma reprodução ‘desfocada’ de soluções formais de uma arquitectura ‘elegante’ adoptada na construção residencial brasileira a partir de meados do século XIX mercê da actividade de arquitectos e companhias de construção europeias: um modelo onde pontuam influências da casa colonial vitoriana, soluções formais afrancesadas, misturadas com algum revivalismo de cariz italiano".

Nesta perspectiva, as edificações remetem para um quadro de leitura urbana da “Casa” que poderá ser categorizadas em três tipos: o palácio, a casa apalaçada e o palacete.”

Estes Brasileiros “torna-viagem” foram vastamente retratados por Eça de Queiroz, bem como por Camilo Castelo Branco.

São exemplos disso, o “torna-viagem” em “O primo Basílio” (1878), de Eça de Queiroz; o “retornado” Eusébio Seabra em “A Morgadinha dos Canaviais” (1868) de Júlio Dinis; e os vários “brasileiros” em “Eusébio Macário” (1879), em “A Brasileira de Prazins” (1883), “A Corja” (1880), “Os diamantes do Brasileiro” (1869), entre muitos outros romances, todos de Camilo Castelo Branco.

Voltando à peça: trata-se de um pequeno prato não marcado, com uma massa de textura fina, de esmaltado leitoso, mais ou menos homogéneo, mas com alguns escorridos, sob o qual se denota uma massa na cor de grão.


Peça interessante, com decoração relevante, que pelas suas características, nos permite considerar que será fabrico de Coimbra, desconhecendo-se, como sempre, a respectiva fábrica ou cerâmica, e , provavelmente, fabricada entre 1850 e 1890.

Mas certezas absolutas, não as há.


Quer no covo, quer no tardoz deste prato notam-se os três pontos de falhas de vidrado, decorrentes da colocação do mesmo nas trempes, para a vidragem.

Não possui qualquer filete, nem qualquer decoração vegetalista ou geométrica na bordadura do mesmo.

Pelo tipo de decoração, do esponjado e do “casario”, consideramos que não será Alcobaça, fabrico de José dos Reis, mas Coimbra.


Na Fonte 7) encontramos uma tigela com tampa, com uma decoração semelhante, com a indicação:  ”TIJELA COM TAMPA EM FAIANÇA DE FABRICO DO SÉC XIX OU ANTERIOR QUE PODERÁ  SER DE ALCOBAÇA QUE USOU INICIALMENTE ESTE MOTIVO DO CASARIO MONOCROMADO. ALGUMAS FÁBRICAS DO NORTE TAMBÉM USARAM ESTE MOTIVO”.

No entanto, pelo motivo continuamos a considerar como sendo de Coimbra.


FONTES:

1) – “Faiança Portuguesa Séculos XVIII-XIX”, Colecção Pereira de Sampaio, Editores ACD, 2008.

2) – “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, de José Queirós, Organização, Apresentação, Notas e Adenda Iconográfica de José Manuel Garcia e Orlando da Rocha Pinto, Editorial Presença, 3ª Edição, Lisboa, 1987.

3) – “Faiança Portuguesa – Séculos XVIII-XIX”, de Arthur de Sandão, Livraria Civilização, 2º Volume, Barcelos, 1985.




2 comentários:

  1. Estou de acordo com a sua leitura sobre o aparecimento destes casarios, e igualmente no cuidado que coloca na sua atribuição.
    Também me parece que há alguns casarios que poderão ter como influência a cerâmica internacional (não é o caso dos que aqui apresenta), pois é grande a semelhança que encontro com o motivo "Roselle" que invade a louça inglesa cerca de meados do século XIX, se não for mesmo anterior. Mas é mais uma suposição, claro.
    O Luís já apresentou uma pequena travessa, portuguesa, com um casario que me lembra muito aquele motivo inglês.
    Uma boa semana
    Manel

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  2. Caro Manel,
    Obrigada pelo seu comentário, de análise e de sugestão.
    Concordo com a sua suposição quanto à influência estrangeira (a inglesa).
    Continue.
    Um abraço.

    Jorge Gomes

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